Obsessão

A obsessão é o império que maus Espíritos tomam sobre certas pessoas, tendo em vista dominá-las e submetê-las à sua vontade, pelo prazer que sentem em fazer o mal.
Quando um Espírito, bom ou mau, quer agir sobre um indivíduo, ele o envolve, por assim dizer, com o seu perispírito, como um manto; os fluidos se penetram, os dois pensamentos e as duas vontades se confundem, e o Espírito pode, então, se servir desse corpo como do seu próprio, fazê-lo agir segundo a sua vontade, falar, escrever, desenhar, tais são os médiuns. Se o Espírito é bom, a sua ação é doce, benfazeja; ele não leva a fazer senão boas coisas; se for mau, leva a fazê-las más; se for perverso e mau, constrange-o, como numa rede, paralisa até a sua vontade, o seu julgamento mesmo, que abafa sob o seu fluido, como se abafa o fogo sob uma camada de água; fá-lo pensar, falar, agir por ele, impele-o, apesar dele, a atos extravagantes ou ridículos, em uma palavra, o magnetiza, o cataleptiza moralmente, e o individuo se torna um instrumento cego de suas vontades. Tal é a causa da obsessão, da fascinação e da subjugação, que se mostram em graus de intensidade muito diferentes. É ao paroxismo da subjugação que se chama vulgarmente de possessão. Há a se anotar que, neste caso, freqüentemente, o indivíduo tem a consciência de que o que faz é ridículo, mas é constrangido a fazê-lo, como se um homem mais vigoroso do que ele fizesse mover, contra a sua vontade, os seus braços, as suas pernas e a sua língua.

Uma vez que os Espíritos existiram de todos os tempos, de todos os tempos também eles desempenharam o mesmo papel, porque esse papel está na Natureza, e a prova disso está no grande numero de pessoas obsedadas ou possuídas, querendo-se, antes que fosse posta a questão dos Espíritos, ou que, em nossos dias, jamais ouviram falar de Espiritismo nem de médiuns. A ação dos Espíritos, bons ou maus, é, pois, espontânea; a dos maus produz uma quantidade de perturbações na economia moral, e mesmo física, que, por ignorância da causa verdadeira, atribuía-se a causas errôneas. Os maus Espíritos são os inimigos invisíveis tanto mais perigosos quanto não se suponha a sua ação. O Espiritismo, pondo-os a descoberto, vem revelar uma nova causa para certos males da Humanidade; conhecida a causa, não se procurará mais combater o mal pelos meios que doravante se sabem inúteis, procurar-se-á os mais eficazes. Ora, o que fez descobrir essa causa? A mediunidade; foi por meio da mediunidade que esses inimigos ocultos traíram a sua presença; ela fez para eles o que o microscópio fez para os infinitamente pequenos; revelou todo um mundo. O Espiritismo não atraiu, de nenhum modo, os maus Espíritos; ele os descobriu, e deu os meios de paralisar-lhes a ação e, conseqüentemente, afastá-los. Ele não trouxe, de nenhum modo, o mal, uma vez que o mal existia de todos os tempos: trouxe, ao contrário, o remédio ao mal, mostrando-lhe a causa. Uma vez reconhecida a ação do mundo invisível, ter-se-á a chave de uma multidão de fenômenos incompreendidos, e a ciência, enriquecida com esta nova lei, verá se abrir diante dela novos horizontes. Quando chegará ela a isso? Quando ela não professar mais o materialismo, porque o materialismo detém o seu vôo e lhe coloca uma barreira intransponível.

Uma vez que se há maus Espíritos que obsidiam, há bons que protegem, pergunta-se se os maus Espíritos são mais poderosos do que os bons.

Não é o bom Espírito que é mais fraco, é o médium que não é bastante forte para sacudir o manto que se lança sobre ele, para se livrar do constrangimento dos braços que o enlaçam e nos quais, é necessário dizê-lo bem, algumas vezes se compraz. Neste caso, compreende-se que o bom Espírito não possa ter a superioridade, uma vez que se lhe prefere um outro. Admitamos agora o desejo de se desembaraçar desse envoltório fluídico, do qual o seu está penetrado, como uma vestimenta está penetrada pela umidade, o desejo não bastará. A própria vontade nem sempre bastará.

Trata-se de lutar contra um adversário; ora, quando dois homens lutam corpo a corpo, é aquele que tem músculos mais fortes que derruba o outro. Com um Espírito é necessário lutar, não corpo a corpo, mas de Espírito para Espírito, e é ainda o mais forte que domina; aqui, a força está na autoridade que se pode tomar sobre o Espírito, e essa autoridade está subordinada à superioridade moral. A superioridade moral é como o Sol que dissipa o nevoeiro pela força de seus raios. Esforçar-se para ser bom, tornar-se melhor sendo já bom, purificar-se de suas imperfeições, em uma palavra, se elevar moralmente o mais possível, tal é o meio para adquirir o poder de dominar os Espíritos inferiores, para afastá-los, de outro modo eles zombarão de vossas imposições.

Entretanto, dir-se-á, por que os Espíritos protetores não lhes ordenam para que se retirem? Sem dúvida eles o podem e o fazem algumas vezes; mas, permitindo a luta, deixam também o mérito da vitória; se deixam se debaterem pessoas merecedoras sob certos aspectos, é para provar a sua perseverança e fazê-las adquirir mais força no bem; é para elas uma espécie de ginástica moral.

Certas pessoas, sem dúvida, preferiram uma outra receita para expulsar os maus Espíritos; algumas palavras a dizer, ou alguns sinais a fazer, por exemplo, o que seria mais cômodo do que corrigir os seus defeitos. Com isso estamos descontentes, mas não conhecemos nenhum meio eficaz para vencer um inimigo senão de ser mais forte do que ele. Quando se está enfermo, é necessário resignar-se em tomar um medicamento, embora amargo que seja; mas também, quando se teve a coragem de bebê-lo, como se porta bem e como se é forte! É necessário, pois, bem se persuadir de que não há, para alcançar esse objetivo, nem palavras sacramentais, nem fórmulas, nem talismã, nem quaisquer sinais materiais. Os maus Espíritos deles se riem e se divertem, freqüentemente, indicando-os, que têm sempre o cuidado de dizerem infalíveis, para melhor captar a confiança daqueles que querem enganar, porque então estes, confiantes na virtude do processo, se entregam sem receio.

Antes de esperar domar o mau Espírito, é necessário domar a si mesmo. De todos os meios para adquirir a força para lá chegar, o mais eficaz é a vontade secundada pela prece, entenda-se a prece de coração, e não de palavras, para as quais a boca toma mais parte do que o pensamento. É necessário guardião rogar a seu anjo, e os bons Espíritos, para nos assistir na luta; mas não basta lhes pedir para expulsarem o mau Espírito, é necessário se lembrar desta máxima: “Ajuda-te e o Céu te ajudará”, e lhes pedir, sobretudo, a força que nos falta para vencermos os nossos maus pendores, que são essas tendências que os atraem, como a corrupção atrai as aves de rapina. Pedindo também para o Espírito obsessor, é devolver o mal com o bem, e se mostrar melhor do que ele, o que já é uma superioridade. Com a perseverança, freqüentemente, acaba-se por conduzi-lo a melhores sentimentos e de perseguidor se faz um agradecido.

Em resumo, a prece fervorosa, e os esforços sérios para se melhorar, são os únicos meios para afastar os maus Espíritos que reconhecem seus superiores naqueles que praticam o bem, ao passo que as fórmulas os azem rir, a cólera e a impaciência os excitam. É necessário deixá-los se mostrando mais pacientes do que eles.

Mas ocorre, algumas vezes, que a subjugação aumenta a ponto de paralisar a vontade do obsidiado, e que não se pode dele esperar nenhum concurso sério. É então, sobretudo, que a intervenção de terceiros torna-se necessária, seja pela prece, seja pela ação magnética; mas a força dessa intervenção depende também do ascendente moral que os intervenientes podem tomar sobre os Espíritos; porque se não valem mais, a sua ação é estéril. A ação magnética nesse caso, tem o efeito de penetrar o fluido do obsidiado de um fluido melhor, e de livrá-lo do Espírito mau; ao operar, o magnetizador deve ter o duplo objetivo de opor uma força moral a uma força moral, e de produzir sobre o sujeito uma espécie de reação química, para nos servirmos de uma comparação material, expulsando um fluido por um outro fluido. Por aí, não somente ele opera um desligamento salutar, mas dá força aos órgãos enfraquecidos por uma longa e, freqüentemente, vigorosa opressão. Compreende-se, de resto, que a força da ação fluídica está em razão, não só da energia da vontade, mas sobretudo da qualidade do fluido introduzido, e, segundo o que dissemos, que essa qualidade depende da instrução e das qualidades morais do magnetizador, de onde se segue que um magnetizador comum, que agiria maquinalmente para magnetizar pura e simplesmente, produziria pouco ou de nenhum efeito; é preciso, de toda a necessidade, um magnetizador espírita agindo com conhecimento de causa, com a intenção de produzir, não o sonambulismo ou uma cura orgânica, mas os efeitos que acabamos de descrever. Além disso, é evidente que uma ação magnética, dirigida nesse sentido, não pode ser senão muito útil no caso de obsessão comum, porque então, se o magnetizador é secundado pela vontade do obsidiado, o Espírito é combatido por dois adversários ao invés de um.

É necessário dizer, também, que se acusam, freqüentemente, os Espíritos estranhos de danos dos quais são muito inocentes; certos estados doentios, e certas aberrações que se atribuem a uma causa oculta, por vezes, devem-se simplesmente ao Espírito do próprio indivíduo. As contrariedades, que mais comumente cada um se concentra em si mesmo, sobretudo os desgostos amorosos, fazem cometer muitos atos excêntricos que se estaria errado em levar à conta da obsessão. Freqüentemente, pode ser-se obsessor de si próprio.

Acrescentemos, enfim, que certas obsessões tenazes, sobretudo nas pessoas de mérito, algumas vezes, fazem parte das provas às quais estão submetidas. “Ocorre mesmo, por vezes, que a obsessão, quando é simples, é uma tarefa imposta ao obsidiado, que deve trabalhar para a melhoria do obsessor, como um pai pela de um filho viciado”.

A prece, geralmente, é um meio poderoso para ajudar na libertação dos obsidiados, mas não é uma prece de palavras, dita com indiferença e como uma fórmula banal, que pode ser eficaz em semelhante caso; é necessária uma prece ardente que seja, ao mesmo tempo, uma espécie de magnetização mental; pelo pensamento pode-se levar, sobre o paciente, uma corrente fluídica salutar, cuja força está em razão da intenção. A prece não tem, pois, somente por efeito invocar um socorro estranho, mas de exercer uma ação fluídica. O que uma pessoa não pode fazer só, várias pessoas unidas pela intenção, numa prece coletiva e reiterada, freqüentemente o podem, sendo a potencia da ação aumentada pelo número.

A ineficácia do exorcismo nos casos de possessão está constatada pela experiência, e está provado que, a maior parte do tempo, aumenta o mal antes que o diminua. A razão disso é que a influência está inteiramente no ascendente moral exercido sobre os maus Espíritos, e não num ato exterior, na virtude das palavras e dos sinais. O exorcismo consiste nas cerimônias e fórmulas das quais se riem os maus Espíritos, ao passo que eles cedem à superioridade moral que se lhes impõe; vêem que se quer dominá-los por meios impotentes, que se pensa intimidá-los por um vão aparelho, e tratam de se mostrar os mais fortes, por isso é que redobram; são como o cavalo assustado, que lança por terra o cavaleiro inábil, e que se submete quando encontra o seu senhor; ora, o verdadeiro senhor aqui é o homem de coração mais puro, porque é este que é o mais escutado pelos bons Espíritos.

O que um Espírito pode fazer sobre um indivíduo, vários Espíritos podem fazê-lo sobre vários indivíduos, simultaneamente, e dar à obsessão um caráter epidêmico. Uma nuvem de maus Espíritos pode invadir uma localidade, e ali se manifestar de diversas maneiras. Foi uma epidemia desse gênero que maltratou a Judéia ao tempo do Cristo; ora, o Cristo, pela sua imensa superioridade moral, tinha sobre os demônios, ou maus Espíritos, uma superioridade moral tal que lhe bastava ordenar-lhes para se retirarem, para que eles o fizessem, e não empregava para isso nem sinais, nem fórmulas.

O Espiritismo está fundado sobre a observação dos fatos resultantes das relações entre o mundo visível e o mundo invisível. Estando esses fatos na Natureza, produziram-se em todas as épocas, e são muitos, sobretudo nos livros sagrados de todas as religiões, porque serviram de base à maioria das crenças. Por falta de compreendê-los, foi que a Bíblia e os Evangelhos oferecem tantas passagens obscuras e que foram interpretadas em sentidos tão diferentes; o Espiritismo é a chave que deve facilitar-lhes a inteligência.

Fonte: KARDEC, Allan. Obras Póstumas. 37 ed. Rio de Janeiro: FEB,1996. 58

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